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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Valério que Venceu o Botafogo no passado luta pra não acabar com futebol

Brasil Afora: Valério, que bateu o grande Botafogo, luta para não fechar
Time da cidade de Itabira, terra de Carlos Drummond de Andrade, sonha
repetir anos dourados, quando ainda tinha o apoio da Vale do Rio Doce

O Botafogo foi campeão estadual em 1957 com uma campanha impecável. Das 22 partidas que disputou, perdeu apenas duas, e aplicou goleadas históricas na competição. O Fluminense, por exemplo, levou incríveis 6 a 2, com cinco gols de Paulo Valentim, no jogo que decidiu o título, em um Maracanã lotado. Porém, esse mesmo esquadrão botafoguense foi derrotado em um amistoso realizado em Minas Gerais, dez meses antes. Com a base que viria a encantar o Brasil e o mundo na Copa de 1958, o time da Estrela Solitária foi a Itabira, a 104 quilômetros de Belo Horizonte e terra natal do poeta Carlos Drummond de Andrade, encarar o Valeriodoce, time fundado por funcionários da então empresa estatal Vale do Rio Doce, de onde vem o pitoresco nome do time.

Em 17 de fevereiro de 1957, sob forte chuva e passando sobre todas as "pedras que tinham no caminho", como diria Drummond, o Valeriodoce bateu o Botafogo, com Nílton Santos, Didi e Garrincha em campo, por 2 a 1. Nino e Vitorino fizeram os gols do time mineiro, e Pampolini, o gol carioca. A façanha dos itabiranos virou notícia no Brasil inteiro, como lembra Chiquinho Alfaiate, que esteve nas arquibancadas do estádio Israel Pinheiro naquela tarde.

- O primeiro tempo terminou empatado por 1 a 1. No intervalo, choveu muito. Foi uma tempestade horrível. Na volta, Garrincha voltou jogando na meia esquerda, porque o Gabiroba, nosso lateral, fez uma marcação muito boa em cima dele. Aí, com o principal jogador deles fora de posição, o Valério tomou conta do jogo. Só que nosso segundo gol foi meio sem querer. O Vitorino tentou cruzar, a bola fez uma curva por causa do vento e enganou o Beto, goleiro deles. Lembro-me perfeitamente, como se fosse ontem.

Um alfaiate de 95 anos
Francisco de Almeida nasceu em Itabira em 9 de março de 1915. Ele esteve no time titular do Valério, na primeira partida da história, uma derrota por 6 a 2 para o América-MG, em uma equipe que contava com jogadores como Zezé Mexe Mexe, Besouro e Turquinho.

Chiquinho Alfaiate, apelido ganho por causa da profissão que exerceu por 80 anos, conta que entrou no time meio sem querer. Atleta do Clube Atlético Itabirano, time tradicional da época, foi convidado a participar do treino do Valério e acabou jogando os primeiros jogos da equipe.

Com 95 anos e 1,50m de altura, tem memória e lucidez que impressionam. Seu jeito doce e afável conquista à primeira vista. Pai de dois filhos, tem seis netos e duas bisnetas. As lembranças do alfaiate trazem à tona memórias impagáveis. Com riqueza de detalhes, ele lembrou que o jogo contra o Botafogo foi apenas um passatempo para Garrincha, em sua visita a Itabira.
O Valério ofereceu um baile para os jogadores do Botafogo depois do jogo, como era comum na época. O Garrincha passou toda a partida perguntando aos seus marcadores se ia ter muita mulher na festa.

"E agora, Mané?", perguntaria o poeta. Segundo Chiquinho, o anjo de pernas tortas descobriu, durante o baile, que Itabira tinha mesmo muitas garotas bonitas...

Chiquinho Alfaiate, fã confesso de Garrincha, elogiou outro botafoguense, o ponta-esquerda paraguaio Cañete, titular naquela partida.
- O Cañete elogiou muito nossa cidade e disse estar feliz por conhecer uma região tão rica em ferro. Isso mostra respeito e conhecimento da nossa história. Todos aqui gostaram muito dele.

Personagem e lembranças
O Valério pode ter a alma de Itabira, a poesia de Drummond e a cara de Chiquinho Alfaiate. Mas o umbigo é de Vicente Lage, o 109. A família Lage morava em um terreno próximo a uma das minas da Vale do Rio Doce. Como era tradição na época, os Lage enterraram o umbigo do recém-nascido Vicente no quintal de casa, onde, alguns anos mais tarde, Garrincha e Didi desfilariam todo o talento que deram dois títulos mundiais à Seleção Brasileira. A Companhia Vale do Rio Doce comprou a casa, pouco tempo depois do nascimento de Vicente, e construiu o estádio Israel Pinheiro no local.

O menino Vicente cresceu e virou titular do Valério. E teve a dura missão de marcar o mestre Didi, no famoso duelo contra o Botafogo. Com a memória tão rica quanto sua história no futebol, 109 falou sobre a inesquecível partida.

- Esse jogo preocupava muito a direção técnica do Valério. O Botafogo ostentava, naquela ocasião, três baluartes do nosso futebol: Nilton Santos, Didi e Garrincha, entre outros jogadores. A preocupação do nosso treinador era anular o Didi, com medo de tomar uma goleada. Eu fui designado a marcá-lo e tive êxito de fazer bem o meu trabalho, conseguindo marcar um dos melhores jogadores do Brasil.

Mas o tempo, como se fosse Drummond, disse a 109: "Vai, Vicente, ser gauche na vida." E ele foi. Virou treinador de futebol, coordenador, supervisor e diretor técnico. Trabalhou nos três maiores clubes de Minas Gerais: América-MG, Atlético-MG e Cruzeiro. Conheceu o mundo. Fez amizade com figurões, como Cruyff, Telê Santana e Didi. Foi – e ainda é – respeitado por todas as torcidas. E conquistou o maior título da história do Uberlândia. Foi técnico da histórica campanha na Taça de Prata de 1984, equivalente à série B do Campeonato Brasileiro de hoje.

Vicente Lage explicou a origem do apelido 109.
- Em 1955, o Valério disputou o Campeonato Mineiro do Interior, com as seleções de Caxambu, Uberaba e Curvelo. O Valeriodoce levou uma goleada de 6 a 2 do Caxambu, e um tal de 109 fez três gols e acabou com o jogo. Quando o time voltou a Itabira, falaram que eu tinha um futebol parecido com o dele. Na época, eu jogava no juvenil. O apelido pegou, começaram a me chamar de 109 e nunca mais pararam. Deu sorte.

Dias de glória
Além da histórica vitória sobre o Botafogo, o Valério tem outras páginas dignas de orgulho, como as 19 vitórias sobre o Atlético-MG ao longo dos anos, sendo uma por impiedosos 4 a 0, em um amistoso no Israel Pinheiro, em 1967. Contra o Cruzeiro, não é diferente. O time itabirano já bateu o adversário da capital dez vezes, sendo uma delas marcante. A academia cruzeirense de Raul, Piazza, Dirceu Lopes e Tostão só perdeu um jogo oficial para times brasileiros em 1966 e foi justamente para o Valério. Em 26 de outubro, Nerival fez o gol solitário que deixou o Mineirão calado e impediu o título estadual invicto do Cruzeiro. Enfim, o hábito de sofrer, que tanto divertiu o poeta, não foi parte da história do clube de sua terra natal naqueles tempos.

Em âmbito nacional, o Valério também já teve bons momentos. O time disputou a série B do Campeonato Brasileiro em 1988 e 1989 e a série C em 1994 e 1995. A melhor campanha foi em 1988, quando, por muito pouco, o time não conseguiu o acesso à elite do futebol nacional. O Valério chegou até a fase semifinal e foi eliminado por Inter de Limeira e Náutico.
A galeria de troféus do Valério conta com um título da segunda divisão mineira, em 1965, e dois Torneios Inícios do Campeonato Mineiro, em 1962 e 1969.

Itabira e Drummond
Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos e filho mais ilustre de Itabira, "cidadezinha qualquer, casas entre bananeiras, mulheres entre laranjeiras", como definiu uma vez, também tem ligações históricas com o Valério. Torcedor declarado do Vasco, Drummond assumiu publicamente seu amor ao clube itabirano ao receber, entre os presentes de uma cesta de Natal, em festa da repartição onde trabalhava, no Rio de Janeiro, uma camisa do Valério. O poeta fez uma pausa em seu discurso e pediu licença ao Vasco para propor uma homenagem ao ‘Dragão vermelho e branco’ de sua terra natal.

O Valério planeja resgatar essa história para captar novos torcedores entre a juventude itabirana. O assessor de comunicação do clube, José Norberto, falou sobre o projeto.
- Queremos reviver a aproximação de Drummond com o Valério. Nós entendemos que isso é muito importante para Itabira, para a comunidade e para o próprio clube. Aqui na cidade, temos um projeto, o 'Caminhos Drummondianos', que fala dos vários momentos do poeta, que se relacionam a este sentimento de amor ao Valeriodoce.

Apogeu e queda
Mas vão-se longe os tempos de glória do Dragão de Itabira. O time foi rebaixado para a terceira divisão do Campeonato Mineiro em 2010, com uma campanha vexatória, que culminou com uma humilhante goleada de 5 a 0 para o Formiga, na última rodada do Módulo II. O clube, hoje abandonado pelas empresas da cidade, correu o risco de fechar as portas para o futebol profissional. A situação é motivo de lamento pelos dirigentes do Dragão. A atual diretoria tomou posse em 2009 e sofre com dívidas e processos trabalhistas que o clube tem de enfrentar.

O vice-presidente do clube, Luzardo Drummond Filho, sócio do Valério há 30 anos, reconhece as dificuldades, mas sonha recolocar o Dragão, em breve, na elite do futebol mineiro.

- É lamentável. Hoje nós não temos nenhum apoio da iniciativa privada. É muito difícil. Quem investe aqui são as pessoas que amam o Valério. A solução só pode vir das categorias de base. Com um bom projeto, creio que, em cinco anos, estaremos bem novamente, encarando Atlético-MG e Cruzeiro na primeira divisão, como sempre fizemos nas velhas e boas épocas.
Novos tempos

Um grupo de itabiranos, comandado por Ceomar Santos, considerado o mais fanático valeriano da cidade, sonha retomar os bons tempos e fazer o Dragão deixar de ser apenas uma "fotografia na parede". Ceomar, economista e radialista em Itabira, fundou a Associação dos Amigos e Amigas do Valério, que visa, entre outras ações, a captar verbas para ajudar o clube a sanar seus problemas financeiros.

- O Valério hoje está nessa luta. Nós formamos esta associação, que foi uma ideia que surgiu de vários valerianos, no sentido de formar uma força que permita dar soluções econômicas e financeiras ao clube. Queremos também criar projetos sociais para crianças, adolescentes e famílias. E fazer o Valério voltar a ser uma grande instituição esportiva, social e cultural.
Como disse Drummond em um de seus poemas, "futebol se joga na alma". Por isso, não custa nada sonhar com dias melhores para o Dragão, apesar de todas as dificuldades. O entusiasmo de gente como Chiquinho Alfaiate, 109, Luzardo e Ceomar pode fazer o Valério voltar a ocupar o lugar de destaque que já teve no futebol mineiro. Mesmo com todas as "pedras que existem no caminho".
Fonte: www.globoesporte.com

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